Elon Musk tornou-se um nome conhecido na última década. O empreendedor em série ocupa uma posição de destaque no rol dos CEOs mais influentes do nosso tempo, com um patrimônio estimado em 40 bilhões de dólares e uma visão estratégica do mundo que vai além de qualquer monetização.

Sua principal empresa, a Tesla Motors, roubou as atenções do mundo corporativo no fim de janeiro. Após apresentar um lucro inesperado pelos analistas no último balanço de 2019, a fabricante de carros elétricos registrou uma alta histórica em seus papéis, que chegaram a ser negociados pelo valor unitário de US$ 596,56 no pregão do dia 22 em Wall Street. Com esse movimento, o valor de mercado da companhia atingiu o patamar de 103 bilhões de dólares, consagrando-se como a montadora mais valiosa dos Estados Unidos.

Não há dúvidas quanto a prosperidade do principal empreendimento de Musk. Sua ascensão meteórica e a consolidação de um modelo de negócios como o mais valioso de seu ramo são pontos de destaque numa trajetória especial. Ocorre que suas maiores qualidades (e ensinamentos) não podem ser observados numa análise absoluta. É no momento em que se coloca o mercado automobilístico americano sob o prisma comparativo  que é possível identificar suas mais valiosas lições.

Seguindo comparações fundamentalistas com seus pares, o sucesso da Tesla Motors beira o inexplicável. Considerando a fatia de mercado, a montadora de Musk não chega às sombras de nomes como General Motors e Ford; tão pouco apresenta um cenário minimamente competitivo quando se analisa lucros e faturamentos.

A caráter de ilustração, no ano passado, a GM e a Ford venderam, cada uma, 2 milhões de veículos, enquanto a Tesla se limitou ao patamar de 367,5 mil unidades. Com relação aos balanços, no mesmo período que resultou no rali das ações da fabricante de carros elétricos, o lucro da General Motors foi para além dos 3 bilhões de dólares (ainda limitado por greves recorrentes) enquanto a empresa mais valiosa de seu ramo não atingiu os 150 milhões. Ainda assim, o valuation da Tesla Motors é consideravelmente superior do que o valor de mercado somado de suas principais concorrentes[1].

Além disso, é fundamental ressaltar que a companhia de Musk foi fundada em 2003, não tendo completado duas décadas de existência, contra montadoras de tradição secular, cujas trajetórias se confundem com a própria história dos Estados Unidos e seu sistema produtivo. Ademais, o mercado automobilístico americano, extremamente baseado na cultura dos combustíveis fósseis, sempre se mostrou como um dos ramos mais engessados da economia global. Considerando o nicho de atuação jurídica no Brasil, fortemente controlado por grandes Escritórios de Advocacia com seu modelo consolidado, e o movimento empreendedor iniciado pelas LawTechs, é inevitável traçar o paralelo.

As startups surgiram no cenário jurídico brasileiro trazendo soluções baseadas em novas tecnologias, aplicando instrumentos como inteligência artificial, machine learning e data analysis para revolucionar a forma como se pensa o Direito no meio profissional. Entre as aplicações identificadas, destacam-se sistemas de resolução de conflitos online e gestão de documentos, se inserindo no mercado como empresas prestadoras de serviço B2C e B2B, alinhando uma nova demanda dos grandes Escritórios de Advocacia com a facilitação do acesso à profissionais capacitados[2]. Assim como na troca do diesel pela energia elétrica nos carros eco friendly da Tesla e a resistência da General Motors e da Ford, o mercado ainda olha com certa desconfiança para as novas abordagens num ramo marcado pela tradição. Dessa forma, ainda que se tenha conhecimento de que o mercado jurídico brasileiro apresente demanda suficiente para novas empreitadas, o medo de enfrentar titãs da indústria ainda desencoraja aqueles que enxergam além das aparências.

Assim, fazendo uma análise estratégica da experiência bem sucedida da Tesla Motors em ser uma forasteira num mercado oligopolizado, pode-se aprender valiosas lições aplicáveis ao fenômeno ainda tímido do empreendedorismo no ramo jurídico nacional. A primeira delas é que nenhum mercado é tão engessado a ponto de repelir qualquer nova tentativa de intervenção empreendedora. Independente do tamanho, das cifras e da estruturação, a atividade econômica é viva, evolui junto com o tempo e a todo momento apresenta novas oportunidades.

A segunda delas é a lembrança de que lucro e faturamento não são mais importantes do que o potencial de uma tendência. Isso se traduz no sistema jurídico em algo bem simples. O empreendedorismo visa o amanhã, se prepara para assumir uma posição pioneira e entende a sua missão inserida num contexto ainda em construção, o que apresenta um impacto muito maior do que a reprodução de um sistema concebido numa realidade passada e apoiada na tradição, independentemente de seu sucesso.

A última delas é derivada de Sun Tzu. Entenda seus pontos fortes e, principalmente, os fracos e sairá vencedor. Compreender o próprio contexto de um projeto é essencial para concebê-lo como algo diferente daquilo que já existe. Em outras palavras, se em 2003 a Tesla decidisse produzir carros da mesma forma que a General Motors e a Ford o fazem, provavelmente não conheceríamos o seu nome hoje. Da mesma forma, podemos concluir que o futuro do empreendedorismo jurídico brasileiro encontra-se muito mais próximo dos carros elétricos do que das grandes firmas de advocacia. O futuro é daqueles que pensam o amanhã e superam o hoje.

[1] US$ 49.672 bilhões da GM e US$ 32.120 bilhões da Ford, totalizando um valor de mercado da ordem de US$ 81,792 bilhões (cotações de 14/02/2020).

[2] https://www.projetodraft.com/as-lawtechs-querem-melhorar-o-caotico-ambiente-juridico-brasileiro-com-inteligencia-e-tecnologia/