Os planos de opção de ações, há muito utilizados tanto no mercado internacional quanto no Brasil, são uma das principais fontes de fomento do empreendedorismo inovador. No entanto, a inexistência de definição legal da natureza jurídico-fiscal das stock options gera um cenário de incerteza e cria uma inevitável dependência da discricionariedade jurídico-administrativa aplicável a cada caso. Aliado a isso, ao tencionar conferir indistintamente a natureza remuneratória aos planos no texto do PLP nº 146/2019, sob a falaciosa pretensão de conferir segurança jurídica, o legislador parece ignorar a complexidade do tema. Na realidade, a regulamentação presente nas maiores economias do mundo mostra que tal tendência reducionista vai na contramão da própria lógica do instituto e, na prática, parece inviabilizar a sua aplicação.

 

Por força de definição, um stock option agreement consiste num instrumento que confere ao empregado, garantido por contrato, o direito de comprar ações da empresa em que trabalha num tempo futuro a um preço definido no momento em que a opção é concedida. Caso opte por realizar a operação, o funcionário deve exercer a opção e pagar o preço previamente acordado, solicitando a emissão dos seus títulos. Por configurar uma relação com relevantes reflexos societários, tais acordos de compra costumam ser construídos com base em cláusulas específicas com força e capacidade para caracterizar ou descaracterizar uma determinada natureza jurídica. Ao contrário do que parece pensar o legislador brasileiro, esses planos possuem especificidades importantes que refletem diretamente nas relações por eles regidas.

 

Em outras palavras, não existe um modelo único de opção de compra de ações, de modo que a pretensão de conferir natureza remuneratória indistintamente a todo e qualquer plano de stock option parece inconcebível. É exatamente nesse sentido que se estabeleceu a legislação norte americana, entendendo as implicações práticas que cada cláusula traz para a relação contratual por meio de conceitos econômicos e mercadológicos com inevitáveis reflexos jurídicos. Assim, uma breve análise do direito comparado de um dos principais centros empresariais do mundo é capaz de elucidar ainda melhor a temática.

 

Nessa linha, o Internal Revenue Service, órgão correspondente à Receita Federal dos EUA, estabelece uma distinção fundamental referente aos tipos de ações a serem concedidas num plano de stock option. Segundo o Publication 525 –Taxable and Nontaxable Income, as ações acordadas nesse tipo de contrato podem ser tipicamente qualificadas ou não qualificadas, as quais diferem entre si em relação às condições de propriedade, ao nível de liquidez do valor mobiliário e, consequentemente, ao risco assumido pelas partes na operação. A partir dessas diferenças essenciais, as especificidades de cada plano criam situações práticas diametralmente opostas, razão pela qual o modelo norte americano adotou uma clara natureza híbrida para os planos de opção de compra de ações.

 

Assim, o legislador estadunidense define como ações não qualificadas aquelas que podem ser vendidas pelo funcionário imediatamente após o exercício da opção. Por esse motivo, sendo tais ações compreendidas em seu caráter essencial dotadas de elevada liquidez, a compra desse tipo de valor mobiliário configura um inevitável enriquecimento não só patrimonial como também monetário do adquirente, uma vez que o lucro decorrente da sua venda pode ser realizado a qualquer momento, ao livre arbítrio do proprietário. Mais do que isso, ao exercer a opção por ações não qualificadas, o colaborador não assume os riscos financeiros inerentes às operações mercantis, pois não precisa suportar as incertezas do longo prazo.

 

Considerando essa realidade, as companhias norte americanas que se utilizam desse tipo de contrato têm a possibilidade de deduzir os ganhos obtidos pelo funcionário no momento da venda das ações como despesas de compensação. E faz sentido que assim o seja, uma vez que a dinâmica reveste o instituto de inegável caráter remuneratório, constituindo uma possibilidade de ganho financeiro instantâneo para o empregado, assim como qualquer outra parcela salarial. Por essa razão, a legislação estadunidense dispõe que tal ganho patrimonial é passível de tributação pelo imposto de renda já na primeira movimentação, pelo simples exercício da opção, independente da realização do lucro.

 

Por outro lado, o mesmo legislador reconhece que as ações qualificadas envolvem requisitos de propriedade, como a obrigatoriedade contratual, por parte do adquirente, de manutenção dos títulos pelo prazo mínimo de um ano após o exercício. Dessa forma, os planos de qualified stock options possuem cláusulas de maturação, as quais impedem que as ações sejam comercializadas por um prazo determinado, o que, por si só, impossibilita que o acordo tenha a mesma natureza jurídica dos planos de ações não qualificadas. Isso porque a necessidade de retenção acaba com a liquidez imediata dos títulos, descaracterizando a força monetária do valor mobiliário e fazendo com que o funcionário suporte um risco semelhante ao do próprio empresário no médio e longo prazo.

 

Nessa linha, é evidente que as opções de compra de qualified stocks trazem implicações totalmente diferentes para a relação entre as partes do agreement, desconfigurando o principal motivo que se leva a pensar na natureza remuneratória dos acordos. Assim, uma vez presentes a voluntariedade na adesão, a onerosidade na outorga e o elevado risco de variação de preço assumido pelo empregado, tais planos devem ser reconhecidos como essencialmente mercantis. Por conta disso, o direito norte americano é claro ao impedir que as corporações que optam por realizar esse tipo de contrato deduzam os valores como despesa de compensação. Além disso, a política fiscal dos EUA determina que o funcionário somente deve pagar impostos sobre eventuais ganhos de capital que ele venha a obter no momento da venda do seu estoque.

 

Na contramão da dinâmica norte americana, o projeto do Marco Legal das Startups mostra que o legislador brasileiro apresenta uma visão reducionista marcada pela ideia de conferir natureza estritamente remuneratória às stock options, representando um desconhecimento fundamental sobre a profundidade do tema. Como bem demonstrado pela experiência dos EUA, as cláusulas presentes em cada plano de opção de compra podem alterar os contornos da relação entre empresa e funcionário e, com isso, conferir uma natureza remuneratória ou um caráter essencialmente mercantil. Assim, restringi-los a uma só lógica contraria o próprio sentido do instituto e não faz jus ao seu grau de complexidade, podendo inviabilizar a utilização de um dos principais mecanismos de fomento da nova economia. A busca por segurança jurídica jamais pode servir de base para uma regulação inadequada.